Falta de aval de bombeiros pode ser usada por seguradora para negar indenização
Mesmo pagando em dia, e por anos a fio, o seguro do prédio contra incêndio, condôminos podem ter um prejuízo enorme e ficar sem o prêmio do sinistro em caso de acidente. Embora as seguradoras não exijam o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) para fechar contrato, o acerto do sinistro pode ser negado se o síndico não possuir este documento, que deveria ser entregue pela construtora e atualizado periodicamente pelo responsável do empreendimento.
Eduardo Gênesis diz que 90% dos prédios atendidos por ele não possuem o AVCB.
Segundo especialistas, a maioria dos prédios de Belo Horizonte não tem o certificado ou, se tem, guarda um documento desatualizado. Implantar um novo projeto ou regularizar o antigo pode custar até R$ 1 milhão.
A negativa do pagamento foi confirmada à Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG) após questionamento junto às seguradoras.
Conforme o presidente da comissão, Kênio de Souza Pereira, todas as companhias admitiram a possibilidade de negar o pagamento caso o prédio não possua o papel (veja fac-símile). “As empresas em momento nenhum explicam que o condomínio precisa possuir AVCB para pagar o dano pelo incêndio. Se o cliente contrata o produto e não pode receber o prêmio quando precisar, está sendo enganado. E a maioria dos prédios não tem esse documento porque as próprias construtoras nem sempre o solicitam quando estão construindo”, diz o especialista.
Emitido pelo Corpo de Bombeiros, o auto de vistoria atesta que a edificação de uso coletivo, como prédios comerciais e residenciais, é segura contra incêndio. Ou seja, garante que, se o empreendimento pegar fogo, as pessoas terão condições de sair ilesas do local. De janeiro a março deste ano, 507 pedidos de emissão de laudo foram feitos ao Corpo de Bombeiros e 325, concedidos.
O papel atesta a existência de escada ventilada, corrimão, extintores de incêndio em pontos estratégicos, hidrantes, sinalização de emergência e porta corta-fogo. Também garante que o material suporta altas temperaturas, entre outros itens. O AVCB é obrigatório, segundo a Lei Estadual 14.130/2001 e o Decreto Estadual 46.595/2014. Já o seguro do prédio é determinado pela Lei do Condomínio (4591/64) e pelo Código Civil.
Cerca de 60% dos prédios não possuem AVCB, de acordo com o presidente da Comissão de Avaliações e Perícias da Sociedade Mineira de Engenharia (SME), Kleber José Berlando Martins. “Se o prédio tiver até cinco anos de construção, é possível acionar a construtora na Justiça”, diz. O advogado Kênio Pereira de Souza destaca, no entanto, que algumas teses jurídicas obrigam as construtoras a arcar com o AVCB mesmo se o prédio tiver sido erguido há mais tempo.
Conforme o dono da BH Vistoria Predial, empresa especializada nos trâmites do AVCB, Eduardo Gênesis, 90% dos prédios atendidos por ele não possuem o documento – ou, se o têm, estão com ele irregular. “As taxas do Corpo de Bombeiros são irrisórias, mas as adequações ficam caras e podem chegar a R$ 1 milhão, dependendo do tamanho do prédio. Imagine ter que ventilar a escada de um prédio de 20 andares, colocar corrimão, entre outros?”, justifica.
O major do Corpo de Bombeiros Frederico Pascoal explica que, segundo a Lei estadual 14.130/2001, o dono do imóvel ou o responsável pelo uso têm o dever de providenciar o documento.
“E o primeiro proprietário é o construtor. O auto deveria ser expedido paralelamente ao habite-se, mas isso nem sempre acontece”, critica. O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-MG), Geraldo Jardim Linhares Júnior, afirma que as construtoras associadas à entidade são orientadas a expedir o documento antes de entregar os empreendimentos, regra que é cumprida.
A multa para quem não tem o AVCB chega a R$ 5.389,80, mas o valor pode dobrar se as determinações do Corpo de Bombeiros não forem acatadas em 60 dias. A fiscalização, no entanto, não consegue cobrir toda a cidade. Hoje, há 54 agentes para averiguar todos os condomínios da capital.
Sindseg diz que negativa não é regra e que síndico deve conhecer documento de segurança
presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos e Fiscais do Sindicato das Seguradoras de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal (Sindseg Sindicato das Seguradoras MG/GO/MT/DF), Landulfo Ferreira Junior, afirma que a recusa do pagamento pelas companhias não é regra geral do mercado e enfatiza que o síndico tem a obrigação de conhecer os documentos que garantem a segurança do condomínio.
“Normalmente, a contratação do seguro é feita sem vistoria prévia. A cada ano, o condomínio pode mudar de seguradora e ele (o seguro) vai se renovando, muitas vezes sem pedir a documentação novamente. E isso não exime a responsabilidade tanto do síndico quanto dos condôminos, que devem acompanhar esse trabalho”, afirma Junior.
Entre as seguradoras, a HDI não se posicionou sobre o assunto. Diferentemente do informado à Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, a Allianz disse, por nota, que “via de regra, não recusa indenizações de sinistros pelo fato de um condomínio não portar exclusivamente o documento Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB)”. No entanto, a empresa informa que realiza inspeções prévias para verificar o estado de conservação e manutenção do imóvel, bem como se os equipamentos protecionais abrangem o risco como um todo.
Também por nota, a Porto Seguro informou que “a contratação do seguro contra incêndio para condomínios deve ser efetuada apenas se o AVCB estiver regular, de acordo com o que é exigido por lei”.
Já a SulAmérica afirmou que “não exige o AVCB para contratação do seguro nem para o pagamento de sinistro. A única exigência para contratação de seguro, conforme consta no manual do segurado, é que o condomínio esteja regularmente constituído”. A companhia afirma cumprir com todas as obrigações de indenização de acordo com as coberturas adquiridas pelo segurado e previstas em contrato.
Fonte: Hoje em Dia